quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

As Pereiras da China (Conto)



José Antonio Martino   

            Nos tempos do imperador Ling, as pereiras ainda não davam frutos. Todos os anos, quando a primavera vinha espargir pelos campos a misteriosa magia da vida, tudo florescia, menos as pereiras, que não frutificavam nunca. Por isso eram conhecidas como as árvores mais tristes de toda a China.
            O imperador Ling tinha ficado velho e sabia que, em breve, não mais habitaria este mundo. Como não possuía filhos homens, andava muito preocupado em fazer um bom casamento para sua única filha, a princesa Liampi. Pretendentes não faltavam, porque Liampi era a princesa mais bonita de todo o Oriente. Dos mais longínquos reinos, chegavam numerosos presentes e propostas de casamento, que eram sempre recusados pela jovem herdeira ao trono da China. Liampi era amiga da lua e todas as noites esta vinha despejar pétalas de prata sobre o quarto da princesa para lhe embalar o sono.
            Um dia, apresentaram-se no palácio dois jovens dispostos a conquistar o coração de Liampi. Um deles era lavrador e trazia nas mãos uma velha foice enferrujada, antiqüíssima, que ele dizia ter sido presente dos deuses a seus ancestrais, quando Teru, o Senhor das Sementes, ensinou aos homens como cultivar a terra. O outro portava uma espécie de cítara, com a qual acompanhava seus versos. Era poeta e de sua boca saíam as mais lindas palavras que o vento já tinha espalhado pelas tardes de primavera.
            O imperador Ling, vendo que ambos se mostravam honestos e merecedores da mão de sua filha, decidiu que o escolhido seria aquele que realizasse um velho sonho da princesa:
            - Quero que tragam para mim a lua! Disse a jovem.
         Nem bem Liampi terminou o seu pedido e o lavrador se despediu. Partia imediatamente para as altas montanhas do Himalaia, de onde acreditava ser possível alcançar a lua e trazê-la para a princesa. O poeta, por sua vez, reconheceu que tal empreitada estava além de suas possibilidades. Sentou-se no chão e, dedilhando sua cítara, começou a recitar versos tristes, onde dizia da lua malvada e do seu amor não correspondido. Liampi apiedou-se do poeta e, como tinha um grande coração, resolveu tomá-lo como esposo por acreditar que assim acabaria com dor tão profunda.
            Quarenta dias se passaram, quando o lavrador voltou das montanhas do Himalaia. Vinha triste e resignado pelo fracasso que lá sofrera. Quando soube, porém, que a princesa nem ao menos havia esperado que ele retornasse e já estava casada, encheu-se de cólera. Jurou que, se Liampi não fosse feliz ao seu lado, também não seria ao lado de mais ninguém. Após armar-se com sua foice, ele se dirigiu ao palácio do imperador Ling, onde encontrou a princesa nos braços do poeta. Os olhos do lavrador coruscaram em chamas. Nem houve tempo para explicações. Com um único golpe, violento e mortal, ele decepou a cabeça da princesa, que rolou pelas escadas abaixo, e em seguida se matou.
            Pobre imperador Ling! Já velhinho, teve de suportar este último golpe que a vida lhe preparara. Todas as tardes, dirigia-se às margens do rio Amarelo, onde chorava copiosamente aos pés de uma pereira. À sombra daquela árvore triste, Liampi descansava seu sono de princesa. Numa noite sem luar, o velho imperador acudiu ao chamado dos céus e foi viver junto de sua filha nas margens daquele outro rio, derradeiro e eterno, onde os olhos toscos dos homens nada valem.
            Na primavera do ano seguinte, as pereiras de toda a China floresceram e produziram um fruto muito doce e perfumado que, segundo diziam os antigos, representava as belas curvas do corpo de Liampi. E desde então, durante alguns dias por mês, ano após ano, século após século, a lua toma a forma de uma foice, para lembrar aos homens o cruel destino da princesinha chinesa.

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