José Antonio Martino
Nos
tempos do imperador Ling, as pereiras ainda não davam frutos. Todos os anos,
quando a primavera vinha espargir pelos campos a misteriosa magia da vida, tudo
florescia, menos as pereiras, que não frutificavam nunca. Por isso eram
conhecidas como as árvores mais tristes de toda a China.
O
imperador Ling tinha ficado velho e sabia que, em breve, não mais habitaria
este mundo. Como não possuía filhos homens, andava muito preocupado em fazer um
bom casamento para sua única filha, a princesa Liampi. Pretendentes não
faltavam, porque Liampi era a princesa mais bonita de todo o Oriente. Dos mais
longínquos reinos, chegavam numerosos presentes e propostas de casamento, que
eram sempre recusados pela jovem herdeira ao trono da China. Liampi era amiga
da lua e todas as noites esta vinha despejar pétalas de prata sobre o quarto da
princesa para lhe embalar o sono.
Um
dia, apresentaram-se no palácio dois jovens dispostos a conquistar o coração de
Liampi. Um deles era lavrador e trazia nas mãos uma velha foice enferrujada,
antiqüíssima, que ele dizia ter sido presente dos deuses a seus ancestrais,
quando Teru, o Senhor das Sementes, ensinou aos homens como cultivar a terra. O
outro portava uma espécie de cítara, com a qual acompanhava seus versos. Era
poeta e de sua boca saíam as mais lindas palavras que o vento já tinha
espalhado pelas tardes de primavera.
O
imperador Ling, vendo que ambos se mostravam honestos e merecedores da mão de
sua filha, decidiu que o escolhido seria aquele que realizasse um velho sonho
da princesa:
-
Quero que tragam para mim a lua! Disse a jovem.
Nem
bem Liampi terminou o seu pedido e o lavrador se despediu. Partia imediatamente
para as altas montanhas do Himalaia, de onde acreditava ser possível alcançar a
lua e trazê-la para a princesa. O poeta, por sua vez, reconheceu que tal
empreitada estava além de suas possibilidades. Sentou-se no chão e, dedilhando
sua cítara, começou a recitar versos tristes, onde dizia da lua malvada e do
seu amor não correspondido. Liampi apiedou-se do poeta e, como tinha um grande
coração, resolveu tomá-lo como esposo por acreditar que assim acabaria com dor
tão profunda.
Quarenta
dias se passaram, quando o lavrador voltou das montanhas do Himalaia. Vinha
triste e resignado pelo fracasso que lá sofrera. Quando soube, porém, que a
princesa nem ao menos havia esperado que ele retornasse e já estava casada,
encheu-se de cólera. Jurou que, se Liampi não fosse feliz ao seu lado, também
não seria ao lado de mais ninguém. Após armar-se com sua foice, ele se dirigiu
ao palácio do imperador Ling, onde encontrou a princesa nos braços do poeta. Os
olhos do lavrador coruscaram em
chamas. Nem houve tempo para explicações. Com um único golpe,
violento e mortal, ele decepou a cabeça da princesa, que rolou pelas escadas
abaixo, e em seguida se matou.
Pobre
imperador Ling! Já velhinho, teve de suportar este último golpe que a vida lhe
preparara. Todas as tardes, dirigia-se às margens do rio Amarelo, onde chorava
copiosamente aos pés de uma pereira. À sombra daquela árvore triste, Liampi
descansava seu sono de princesa. Numa noite sem luar, o velho imperador acudiu
ao chamado dos céus e foi viver junto de sua filha nas margens daquele outro
rio, derradeiro e eterno, onde os olhos toscos dos homens nada valem.
Na
primavera do ano seguinte, as pereiras de toda a China floresceram e produziram
um fruto muito doce e perfumado que, segundo diziam os antigos, representava as
belas curvas do corpo de Liampi. E desde então, durante alguns dias por mês,
ano após ano, século após século, a lua toma a forma de uma foice, para lembrar
aos homens o cruel destino da princesinha chinesa.
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